OS LIMITES ENTRE O IMAGINARIO E O GEOGRÁFICO
PAULO ROBERTO ACHE
O público infantil tem sido objeto de constantes estudos nas mais variadas áreas do conhecimento. A criança é parte mais indefesa na relação entre os meios de comunicação e a sociedade, sendo percebida como um ser em desenvolvimento, dotada de grande curiosidade sobre tudo que a rodeia, sendo por essa razão, muito mais sensível aos apelos e mensagens advindos do mundo exterior.
O imaginário Infantil: o crescente quadro de massificação da cultura através dos meios de comunicação, ao qual estamos todos submetidos, tem gerado inúmeras discussões sobre os efeitos em torno da forma de pensar e de agir daquele que, ainda, é por muitos considerados como elo mais frágil do processo comunicacional: o público infantil.
Os meios de comunicação desempenham importante papel de mediador entre o conteúdo veiculado e a sua realidade em desenvolvimento. É através do contato com situações insólitas, fantasiosas que a criança vai encontrando repostas para as suas inquietações e necessidades. “Para Pacheco, o mundo do “faz de conta” funciona como um elemento de ordenação do seu repertório cognitivo.
É preciso compreender a importância da interação do mundo da fantasia com o universo infantil como parte do desenvolvimento da criança, Para a psicóloga Ana Maria Cordeiro Linhares, os super-heróis da TV são a versão atualizada dos contos de fadas e da mitologia, povoando a imaginação infantil de imagens e situações que têm relação com a sua própria existência.
Não se trata de negar o papel da televisão nessas áreas, mas sim de entender que a criança opera com outros padrões de decodificação, onde a imaginação infantil possibilita uma leitura diferenciada do que é oferecido à totalidade da audiência, livre de amarras conceituais, de idéias preconceituosas e de juízo de valor. Os desenhos animados estão entre os gêneros que apresentam maior nível de preferência entre as crianças de 6 a 11 anos incompletos. As personagens televisivas cumprem, dessa forma, parte do papel antes desempenhado pelas brincadeiras, nas quais as crianças tinham a possibilidade de desenvolver várias situações e personagens na busca de resolução, mesmo que inconscientemente, de questões pessoais de diversas naturezas. Mais ainda, as personagens têm, também, o condão de proporcionar à criança elementos capazes de ampliar o entendimento de parte do complexo sistema de relações sociais no qual está inserida, ainda, em certo sentido, como mera observadora.
Para Vygostky sim, particularmente naquelas situações nas quais as atividades lúdicas ou narrativas imaginárias são baseadas em regras, mesmo que essas regras não sejam estabelecidas a priori... “a criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer a regra do comportamento maternal” (1984:108).
Poderíamos afirmar que o imaginário infantil faz parte da dinâmica do desenvolvimento intelectual do indivíduo por propor, através da observação, assimilação e a imitação, aspectos do mundo concreto ao qual pertence. Possibilita que a criança caminhe em direção ao processo de integração com outros agentes sociais. Por essa razão, autores entendem que a época de inocência e da dependência incondicional de pais ou de adultos está chegando ao fim, em função do acesso das crianças aos meios de comunicação.
A importância da aquisição do conceito de tempo pela criança não se satura pelo fato de ocorrerem repetições dos programas como nos adultos, segundo o tempo de permanência das crianças diante da televisão é cada vez mais expressivo, em todas as partes do mundo. Esse fenômeno decorre de vários fatores e do fato da televisão ser de fácil acesso a praticamente todas as camadas sociais.
Em suma, a televisão desempenha um papel no processo de formação da criança e de sua inserção no contexto das relações sociais, sendo o meio de entretenimento e informação preferido por 99% do público infantil (pesquisa Kiddo’s Brasil, 2003).
FONTE: Dissertação de mestrado, apresentado a Faculdade Càsper Líbero, SP, 2005. Autor Paulo Roberto Ache, cap 3. O Público Infantil.
ANIMAR, SE DIVERTIR E APRENDER:
AS RELAÇÕES DE CRIANÇAS
COM PROGRAMAS ESPECIALMENTE RECOMENDADOS
ANDREA MULLER GARCEZ
Este texto é um recorte da pesquisa de mestrado que teve como objetivo analisar a relação que crianças estabelecem com programas televisivos infantis classificados pelo Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça como ER – especialmente recomendados para crianças e adolescentes. As crianças brasileiras passam grande parte do dia assistindo televisão. Chama a atenção a grande oferta de programas televisivos desenvolvidos especialmente para o público infantil, exibidos em diversos horários e canais da TV aberta, ou em canais de TV por assinatura com programação 24 horas, exclusiva para esse público. Talvez por isso alguns programas tenham sido classificados como ER (Especialmente recomendados para crianças e adolescentes) pelo Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça.
O objetivo da pesquisa era analisar a relação que crianças estabelecem com esse tipo de programa que é pensado e recomendado para elas, tentando entender como elas os avaliam, interpretam e como lidam com os valores intencionalmente veiculados nesses programas. A pesquisa consistiu-se na realização de dez oficinas de visualização de programas infantis ER, com atividades e registros feitos pelas crianças, que tinham 6 e 7 anos, no Instituto Tear, uma ONG ligada à arte e educação, além de Ponto de Cultura, situada em um bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Além das oficinas, foram realizadas entrevistas individuais com as crianças e observações de atividades no Instituto, com anotações em caderno de campo. As oficinas tiveram aproximadamente o seguinte formato: cerca de 20 minutos destinados à exibição do programa e 40 minutos destinados a conversas com as crianças, ocorridas em meio a atividades como jogos, brincadeiras, produção de desenhos, modelagem, pintura e colagens. O objetivo das oficinas era transformar perguntas em atividades lúdicas para que as crianças, através da brincadeira e de atividades de seu interesse, pudessem respondê-las, de forma mais espontânea, e sem enfadar-se.
Participaram da pesquisa dez crianças de idade entre seis e sete anos, sendo duas meninas e oito meninos. A freqüência nas oficinas oscilava muito, tendo em média cinco crianças. Todas as crianças estudam em escolas municipais e residem na região da Grande Tijuca, zona norte da cidade. Em relação ao consumo cultural as crianças vão pouco ao teatro (apenas duas levadas pela família e uma pela escola), shows (nenhuma delas) e museus (apenas uma). Quatro, das dez crianças, nunca estiveram em um cinema, uma delas disse que foi uma vez, mas não lembra o nome do filme. A maioria delas, no entanto, tem acesso a DVDs – trocam com amigos, tem em casa, alugam em locadoras. Elas assistem TV antes e depois de ir para a escola, além dos finais de semana. Entre os programas citados estão programas infantis – Power Rangers e desenhos animados: Star Wars, Naruto, Chaves, Dragon bal, Batman, Super Homem, etc – Filmes destinados ao público infanto-juvenil: Procurando Nemo, Harry Potter, Homem Aranha, etc – e filmes destinados ao público adulto: Hulk, Duro de Matar 4, X-Man, King Kong, Tubarão e “filmes de terror”. Os programas ER não foram citados pelas crianças no momento das entrevistas, confirmando a hipótese de que eles não estão entre os seus preferidos.
Todos os programas televisivos funcionam como campos de problematização moral, ao lado de outros campos como a família e a escola (PUIG, 1998). No caso de Cocoricó(Programa nacional produzido pela TV Cultura), por exemplo, o diretor, Fernando Gomes, em entrevista ao site InfanTV14, sugere aos pais que “procurem programas que realmente sejam divertidos, mas que ajudem na boa formação do caráter de seus filhos.” RenataGazé Celestino (2008), em sua monografia de conclusão de curso, intitula o segundo capítulo, dedicado a apresentar o programa, analisando o anuário de programação da TV Cultura, como “Teca na TV – uma produção com a intenção de educar”. As oficinas foram organizadas em três grandes blocos: critérios de avaliação, endereçamento e valores
Os três blocos em que foram organizadas as oficinas, critérios de avaliação, endereçamento e juízo moral, foram tomados como eixos temáticos, a partir dos quais, foram analisados os materiais empíricos produzidos no trabalho de campo. O eixo Interpretação foi acrescentado durante a análise, a partir das conversas sobre o conteúdo dos programas exibidos, dos comentários das crianças, da reconstrução das histórias, das dramatizações e produções das crianças sobre os programas, em todas as oficinas.
Para saber como as crianças avaliavam os programas e que critérios utilizavam, foi criada uma ficha de avaliação com “carinhas” que indicavam se o programa era “Muito bom”, “bom” ou “ruim”. A cada oficina as crianças se sentiam mais à vontade para expressar suas opiniões. A fala das crianças parece indicar que as duas dimensões devem estar presentes para que um programa seja bom: ensinar coisas, incentivar atitudes positivas – como ter uma alimentação saudável – e ter “animação”.
Sacramento, et al (2009) relatam um estudo sobre a relação de crianças com filmes. No estudo em questão, as crianças apresentaram uma extensa lista dos filmes de que gostam, quase todos produzidos nos Estados Unidos ou, no mínimo, realizados dentro do mesmo padrão estético narrativo adotado em Hollywood. Arthur afirmou que a TV incentiva as crianças e que vendo um programa de luta ele começa a lutar também (e o faz durante a oficina, só em mencionar o programa), mesmo assim, para ele, o programa tem que ter luta para ser bom. Segundo Breno, não é necessário ter luta para que um programa seja bom, embora ele goste, assim como Arthur, do desenho animado Naruto, que tem luta.
Em geral as crianças reconheciam a intencionalidade dos programas ensinarem e o conteúdo do que estava sendo veiculado nos programas, e sinalizavam esse reconhecimento. Para essas crianças, os programas exibidos nas oficinas ensinam conhecimentos “sobre a água, que quando falta não dá pra beber e ir pra piscina...”, “sobre ovo – o ovo grande é de galinha, o ovo pequeno é de beija-flor”, “ a dar frutas, verduras e cenoura para o porquinho da índia (não batata)”, “algumas coisas gregas” (sobre a história Os doze trabalhos de Hércules do Sítio do Picapau amerlo), “aquele negócio que quando tampa não pinga água e quando tira a tampa pinga” (sobre o quadro Giroscópio de Teca na TV). As crianças reconheceram também as regras de conduta presentes nos programas exibidos: “ensina a arrumar os brinquedos”, “a se comportar direito”, “a não fazer besteira”, “a economizar luz”, “a (gostar de) ler”, “a não matar os animais”, “a ser amigo”, “a rir junto com seus amigos”, “a não mentir”.
Interpretar, segundo o dicionário Houaiss, é “determinar o significado preciso de (texto, lei etc.)”. Significado é entendido aqui como algo que se produz a partir da articulação de elementos de uma dada linguagem. É arbitrário, no sentido que é estabelecido socialmente, mas não totalmente arbitrário. Leitores de um mesmo texto podem atribuir significados diferentes, mas dentro de uma lógica de configuração que seja compreensível.
Ainda que exista liberdade na interpretação dos leitores, e certamente a liberdade é grande, essa interpretação não pode ser descolada do texto. É o que o autor chama de “intenção transparente do texto”, um mínimo a ser compreendido, mesmo que seja impossível desvendar todos os meandros deste, da forma como o autor/produtor o concebeu.
Se pensarmos que as crianças da pesquisa interpretaram de forma pertinente os programas, reconheceram neles os valores, as normas de conduta e os conhecimentos ali veiculados, fizeram generalizações e os avaliaram como bons programas, podemos dizer que sim, esses programas – que foram especialmente recomendados para crianças e adolescentes pelo Ministério da Justiça, por, além de não conterem conteúdos inadequados, conterem conteúdos adequados (ROMÃO, CANELA E ALARCON, 2006) – cumprem seu papel.
PROGRAMAS EDUCATIVOS NA TV
VÂNIA LUCIA QUINTÃO CARNEIRO
Grande parte das crianças e adolescentes brasileiros vive com uma renda familiar muito baixa, segundo os dados do IBGE, e por isso eles têm como principal entretenimento a televisão aberta.
O rádio e a televisão tinham uma responsabilidade de transmitirem programas educativos, mas qual seriam esses programas? Foi decidido então que programa restrito a transmissão de aulas, conferência, palestras e debates seriam para ensinarem pessoas que não poderiam se matricular na rede regular, porém excluíram as crianças desse publico alvo. Mas, esses programas não alcançaram a expectativa desejada. Perceberam então que a criança buscava diversão na televisão, sem intenção, e aprendiam com a programação.
Um longo estudo descobriu a televisão como fonte de fantasia, formação e informação.
O primeiro programa infantil na televisão criado para ensinar conceitos e divertir foi “Vila Sésamo” que se tornou uma referência cultural mundializada da série infantil (em 1969). Depois foi criado o programa “Castelo Rá-ti-bum” que foi constituído como entretenimento educativo. Esses dois programas oferecem variadas situações de aprendizagem.