''Rá-Tim-Bum' usa todos os recursos televisivos
03/02/1991 - Folha de S. Paulo
Carlos Eduardo Lins da Silva
Diretor da Agência Folhas
“Rá-Tim-Bum” é um sucesso, entre outros motivos, porque é feito por pessoas que não só entendem de TV como também foram criadas com ela. Ao contrário de outras experiências bem intencionadas e de boa qualidade realizadas no Brasil no passado, este é um programa que é de TV mesmo. Não é literatura transposta para a tela, nem teatro frente às câmeras, nem rádio com imagem. É TV.
É um espetáculo que se vale de todos os recursos postos à sua disposição pelo meio. Tem o ritmo dos comerciais e dos videoclips, a dinâmica dos desenhos animados e das animações, usa bonecos e seres humanos, mistura adultos com crianças. Até a metalinguagem é televisiva. O “Rá-Tim-Bum” é um programa dentro do programa, ao qual se referem os repórteres do telejornal ou os pais dos meninos da família que, na tela, assistem o show.
Realizadores e público têm em comum não só os significados da língua verbal. Também a semântica televisiva é repartida por inteiro pelos dois segmentos. Fernando Meirelles, o diretor do projeto, foi criado com a TV por perto. Seu processo de socialização pessoal também contou, como o das crianças de hoje, com esse elemento. O mesmo acontece com a maior parte de sua equipe. Por isso, há tanta identidade entre os dois extremos do processo.
Claro que só isso seria insuficiente para explicar o sucesso de “Rá-Tim-Bum”, agora consagrado até fora do País. Há muito talento de quem o concebe, produz e dirige. Também há sensibilidade de quem fornece o conteúdo pedagógico do programa. É difícil imaginar que o resultado final pudesse ser melhor.
É uma realização que vem da linhagem “Sesame Street” (“Vila Sésamo” no Brasil), o excepcional produto de um grupo de artistas e educadores americanos chamado Children’s Televison Workshop que até hoje é fonte de referência indispensável para quem lida ou se interessa pela relação TV-criança.
O que o CTW descobriu a partir de 1967 foi que TV para criança não precisa ser chata para evitar a frivolidade, nem sobreptícia para disfarçar a pedagogia. Ou seja: é possível ser divertida e educativa e o público não tem que ser ludibriado quanto aos objetivos do espetáculo.
Mas entre “Vila Sésamo” e “Rá-Tim-bum” há 23 anos e oito mil quilômetros de distância. Sorte dos espectadores do Brasil de hoje que os responsáveis pela TV Cultura se tenham dado conta desses espaços temporais, geográficos e culturais que separam um programa do outro. Os dois são obras-primas de seu tempo e lugar. Mas a repetição pura e simples da fórmula de ”Vila Sésamo” hoje e aqui estaria fadada ao fracasso.
Gerald Lesser, num livro fundamental sobre a experiência de “Sesame Street” (“Children and Television”, Vintage Books, 1974), já advertia sobre os perigos de se copiar em outros países a receita tão bem sucedida nos EUA. Até que no Brasil, a série “Vila Sésamo” foi muito bem feita na sua época. Mas “Rá-Tim-Bum” vai além, chega junto com o universo de sons, imagens, idéias da atual geração de brasileiros com grande eficácia.
Não que o programa seja capaz de realizar por si as tarefas da pré-educação escolar. Apesar dos mitos, que talvez a própria TV Cultura reforce, a televisão não tem esse poder. O mesmo Lesser ao refletir sobre ”Sesame Street” ponderava que a TV não é uma experiência nem isolada nem única na vida da criança. O que a criança aprende da TVE só um elemento num complexo ambiente de influências poderosas vindas de diversas fontes, como os colegas, os pais, os parentes, os vizinhos, a escola quando ela é acessível. De nada adianta a TV estimular hábitos de higiene em crianças que têm pais desinteressados em reforçá-los em casa, por exemplo.
“Rá-Tim-Bum” é uma diversão gostosa de se assistir. O programa frui com facilidade. As crianças têm prazer em prazer vê-lo e ele, com certeza, não faz qualquer mal a elas. Mas não é capaz de suprir todas necessidades afetivas e intelectuais que os garotos em idade pré-escolar têm. Não se espere dele mais do que ele pode dar e o que ele tem dado já não é pouco.
Rá-Tim-Bum – Programa infantil co-produzido pela TV Cultura, Fiesp e Sesi. Direção geral: Fernando Meirelles. Direção musical: Edu Lobo. Direção de animação: Flávio Del Carlo. Coordenação de textos: Flávio de Souza. Com Carlos Moreno, Marcelo Tas, Lara Jamra e outros. Cultura, de segunda a sexta, às 9h, 15h e 19h.
©2010 Marcelo Tas
Cultura produz infantil padrão Primeiro mundo
11/02/1990 - Folha de S. Paulo
Angela Marsiaj
Da Reportagem Local
Por mais ambiciosos que sejam, poucos programas da TV brasileira se igualam ao padrão de produção dos bons momentos da Rede Globo. Mas com a verba da iniciativa privada de US$ 1,3 milhão -suficiente para realizar dois longas-metragens nacionais e mais um pouco- a TV Cultura conseguiu produzir uma série padrão Primeiro Mundo de 190 programas para pré-escolares.
Os números são impressionantes -82 cenários, 800 figurinos, 450 profissionais envolvidos. O resultado foi um programa multicolorido, que se utiliza de atores, bonecos, desenho animado, composições originais, cenários exuberantes e externas. Extremamente ágil, "Rá-Tim-Bum" teve como fontes de inspiração os norte-americanos "Vila Sésamo" (este, apresentado no Brasil na década de 70) e o recente "Pee Wee Herman".
Nem tudo, no entanto, é perfeito. E "Rá-Tim-Bum" -no afã de competir com programas como o da Xuxa e até comerciais- acaba abusando do caráter fragmentário da TV. É uma quantidade vertiginosa de quadros, gente falando, música tocando, sem muito fio para se seguir. Mesmo as histórias sequenciais são apresentadas de longe em longe e ficam um pouco perdidas.
O objetivo de "Rá-Tim-Bum" foi o de trabalhar com as noções básicas de raciocínio lógico, percepção visual, auditiva, lateralidade e higiene, entre outras. Não cabe aqui discutir a eficácia da TV como complimento à educação. É óbvio que dadas as circunstâncias brasileiras, coisa do tipo só somam. Mas é muito mais difícil divertir e chamar atenção quando se tem um objetivo pedagógico por trás. Criança que só brinca com brinquedo pedagógico se enche.
Na maioria de suas cenas, "Rá-Tim-Bum" conseguiu contornar com sucesso a dificuldade de ensinar sem chatear. O problema é quando força a barra para tentar passar alguns conceitos ou até comete erros e faz confusões.
O professor Tibúrcio (Marcelo Tas) diz que uma forma geométrica é um quadrado quando o que aparece no vídeo é um retângulo quase quadrado. O número 3, que num desenho animado seria relacionado a três bolas sobre uma mesa, só é escrito na tela quando uma delas cai na cabeça de uma gato. Para quem não conhece o "3", poderia significar "bola", "queda" ou "gato".
Os melhores momentos são os que mostram crianças. Há uma seção que convida a criança a imitar um animal. Funciona. É difícil que algum não imite, por exemplo, um peixe, após ver uma sucessão de peixes -e crianças imitando-os. Uma das melhores cenas produzidas foi uma que tenta convencer as crianças das vantagens do banho. Um bando de meninos vai aos chuveiros coletivos e se lava enquanto um tio debochado com mulheres de gordura falsa canta "Sujeira dá coceira, cheiro ruim, bodum, chulé". E em tom de jingle, completa: "Experimente a refrescante sensação de bem-estar/Tome um banhinho já". Também valem a pena os bonecos: um apresentador de notícias com cabelo de Ronald Regan, um a cobra colorida.
Mas nem só de graça vive o programa. Há quadros até chatos. A esfinge perguntadora -que tem uma perfeição de cenário/figurino- cobra demais a crianças, marca com um relógio o tempo da resposta e só falta devorar. As cenas do detetive Máscara (Paulo Contier), que parodiam os filmes "noir", ficam com falas excessivamente "fakes". Numa vinheta, uma voz autoritária quase ordena que uma criança se sente para prestar atenção a uma história. E curiosamente, os professores apresentados no programa são aloprados.
Rá-Tim-Bum - Programa educativo para crianças em fase de pré-escolar da TV Cultura, com apoio de Fiesp, Ciesp e Cesi. De segunda a sexta, às 9h, 15h e 19h. Direção-geral: Fernando Meirelles. Coordenação de textos: Flávio Del Carlo. Direção musical: Edu Lobo. Com Carlos Moreno, Lara Jamra, Marcelo Tas, entre outros.
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